quarta-feira, 18 de abril de 2012

Havana, la americana

Cuba ANOS 50

por Patrícia Fonseca
Visão História
22-12-2008


«Havana era publicitada como "uma mistura exótica de Casablanca, Las Vegas e Monte Carlo"»
Foto copiada da revista Visão


Antes da revolução, Cuba era o destino preferido dos gringos: para jogar nos casinos e ver espectáculos de sonho mas também para fazer negócios... nem sempre limpos. Um país-satélite dos EUA, transformado à medida por um ditador amigo da máfia


Durante sete anos, entre 1952 e 1959, Havana viveu um período de expansão económica nunca antes vista. Construíram-se grandes hotéis e casinos, túneis, pontes, auto-estradas. Os turistas chegavam aos milhões, todos os anos, sobretudo dos Estados Unidos.
Cuba fica a pouco mais de 150 quilómetros da costa norte-americana e, naqueles anos, a distância parecia ainda menor – a ilha de açúcar e do rum, da praia e do sexo, do mambo e do jogo, era, aos olhos dos americanos, uma espécie de paraíso na Terra. Com os pesos a circular, em vez dos poderosos dólares, tudo era ainda mais apetecível.
A boa vida e as noites loucas de Havana, descrita em panfletos turísticos da época como «uma mistura exótica de Casablanca, Las Vegas e Monte Carlo», serviram de engodo para atrair os homens de negócios. Depressa os principais recursos da ilha estavam na mão de empresas americanas: açúcar, fruta, madeira, mas também refinarias, hotéis, casinos, bancos e, claro, o sector automóvel, que inundou as ruas de Havana de Chevrolets e Cadillacs, até aos dias de hoje. Raro era o negócio que não envolvesse capital gringo e o investimento directo dos EUA em Cuba disparou de 142 milhões de dólares, em 1952, para os 952 milhões, em 1959.
Tudo isto foi possível graças à combinação de dois factores que só anos depois seriam revelados: a tomada do poder, através de um golpe de Estado, a 10 de Março de 1952, do general Fulgencio Batista, e o domínio dos negócios do turismo e do jogo pela máfia.

O actor George Raft (amigo de mafiosos) no Casino de Capri em Havana e gripo de turistas 
americanos jogando a roleta no Casino do Hotel Nacional. Havana, Cuba. 1958. Francis Miller.


‘A DANÇA DOS MILHÕES’

Essa aliança não foi fruto do acaso. Era um sonho acalentado desde os anos 20, quando a Lei Seca imperava nos EUA e a máfia começou a fazer fortunas traficando álcool de Cuba para a Florida (e daí para toda a América do Norte). Nesses tempos, a Rota do Rum, como ficou conhecido o trajecto entre as duas costas, era dominada pelo gangster de Chicago, Al Capone. Ele gostava de vigiar pessoalmente os negócios em Havana e tinha sempre reservado o quarto 615 do Hotel Sevilla Biltmore. Os loucos anos 20 ficaram conhecidos como «a Era da Dança dos Milhões», com o açúcar a duplicar o seu valor no mercado mundial e o álcool a inspirar viagens turísticas – e novas bebidas para gringos, como a Cuba Libre, casando rum com Coca-Cola. O guia turístico mais vendido na década, segundo o New York Times, tinha o sugestivo título de É hora de cocktails em Cuba.
No início dos anos 30, dois outros importantes membros da máfia começaram a olhar para Cuba como muito mais do que um mercado abastecedor de álcool. Para «Lucky» Luciano, o «patrão» de Nova Iorque, com o fim da Lei Seca e a perseguição da polícia americana aos negócios da «família» (Al Capone acabara de ser condenado a 11 anos de prisão, por evasão fiscal...), Havana parecia a capital perfeita para um império da máfia. Para isso, teriam de encontrar um cúmplice no governo, e o mafioso Meyer Lansky, que dominava a região da Florida, recomendou a aposta num sargento que começava a dar nas vistas: Fulgencio Batista.
Segundo revelou o gangster Joseph Stacher ao jornalista norte-americano T.J. English, que publicou em 2007 um livro sobre a aventura da máfia em Cuba (Havana Nocturne – How the Mob owned Cuba... and then lost it to the revolution, Ed. Harper Collins), Lansky chegou a acordo com Batista em 1933, num quarto do Hotel Nacional. «Garantimos-lhe 3 a 5 milhões de dólares por ano, mais uma parte dos nosso lucros, desde que nos assegurasse o monopólio do turismo e do jogo em Cuba», contou Stacher, que acompanhou Lansky nesse encontro. Como sinal de boa vontade, a máfia entregava a Batista, nesse dia, os primeiros 5 milhões. «Ficou a olhar para as malas de dinheiro, sem dizer palavra. Depois apertou a mão de Lansky e foi-se embora.» O negócio estava fechado.

Meyer Lansky, jogador e gangster da máfia em Havana, deixando o casino Riviera com uma 
amiga e uma mala que continha 200,000 dólares da caixa. Havana, Cuba. 1958. Francis Miller.


LUTA PELO PODER

Batista liderou, poucos meses depois, a «revolta dos sargentos», que determinaria a substituição do Presidente Carlos Manuel de Céspedes. Este assumira o cargo apenas três semanas antes, no calor de uma revolta estudantil, substituindo Gerardo Machado, o general que governava Cuba com mão-de-ferro desde 1925. O poder foi entregue, em Setembro de 1933, a Ramón Grau. E Fulgencio Batista, já promovido a coronel, assumia a chefia das Forças Armadas, controlando, de facto, o país. Cem dias depois forçaria mesmo o novo Presidente a demitir-se, substituindo-o por Carlos Mendieta.

DIVIDIR O BOLO

«MÁFIA - Meyer Lansky, «Lucky» Luciano
e Santo Trafficante dominavam o turismo e
o jogo em Havana» 
Copiada da revista Visão
O ambiente político em Cuba era instável e Batista não tinha (ainda) interesse em assumir a Presidência. A situação não estava fácil para os seus «amigos» americanos. Depois de Al Capone ser «apanhado» em Chicago, o procurador de Nova Iorque decidiu seguir o exemplo e processar vários patrões da máfia por outras ilegalidades. «Lucky» Luciano seria acusado de 90 crimes de incentivo à prostituição e condenado, em 1936, a 30 anos de prisão.
Meyer Lansky era um jogador sábio e não ousou apostar em Cuba sozinho. Mas não abandonou o sonho, diversificando os negócios no ramo dos casinos e da hotelaria (comprou parte da cadeia Hilton), com o objectivo de, um dia, avançar com o «plano Havana».
Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, tudo se complicou. O único desenvolvimento nesse período surgiu de forma inesperada, quando o FBI propôs, em 1942, um acordo a «Lucky». Os investigadores sabiam que, mesmo na prisão, o siciliano continuava a controlar os negócios da máfia e era respeitado no submundo nova-iorquino.
Só no mês anterior, 50 navios e submarinos americanos tinham sido afundados pelos alemães e as sabotagens aos navios no porto de Nova Iorque atingiam proporções dramáticas. O FBI acreditava que o porto estava cheio de espiões italianos que passavam informações aos alemães. 
O mafioso tomou conta do assunto. Em menos de um mês, dezenas de pessoas foram presas e terminaram os ataques aos navios. E, assim que a guerra acabou, o governo americano cumpriu a sua parte do acordo, libertando «Lucky». Havia apenas um senão: ele teria de ser deportado para Sicília. E não voltar, jamais, aos EUA.
Sem poder controlar os negócios a partir de Itália, «Lucky» decide jogar a sua última cartada e viaja, em segredo, para Cuba, convocando uma reunião com todos os patrões da máfia, no Hotel Nacional. Essa semana em Havana ficou famosa pelo luxo e ostentação da «conferência» de criminosos – até Frank Sinatra cantou, em privado, para o grupo – e foi imortalizada no cinema por Francis Ford Coppola. No clássico O Padrinho, o grupo de gangsters celebra o fim das suas negociações cantando à volta de um bolo, com uma colorida Havana esculpida em açúcar. O bolo é dividido em pedaços e devorado avidamente pelos mafiosos – uma metáfora poderosa do que, realmente, estava prestes a acontecer.

Santo Trafficante, o mafioso dono do casino Sans Souci em Havana e Jake Lansky irmão 
do gangster Meyer Lansky no Casino do Hotel Nacional. Havana, Cuba. 1958. Francis Miller.


DADOS LANÇADOS

Os planos sairiam furados quando o jornalista Robert Ruark escreveu sobre a amizade de Sinatra com «Lucky», mencionando as festas e orgias daqueles dias de 1946 e que fizeram furor em Havana. A história foi manchete nos jornais americanos, dias a fio. 
Sinatra negou tudo e, no auge da sua carreira, escapou incólume ao que classificava de «boatos». Mas «Lucky» acabava de ser exposto – tinha-se comprometido a ficar em Itália e, afinal, estava tão perto dos EUA. O presidente Harry Truman pediu a Cuba que o expulsasse, acusando-o de «inundar de droga» o seu país. Durante semanas, as relações diplomáticas azedaram, com Havana a recusar a deportação de um italiano com o passaporte em dia... Truman decidiu então cortar o abastecimento de «drogas legais» a Cuba enquanto o «traficante» não fosse expulso. Não havia volta a dar. Até ao fim dos seus dias, «Lucky» viveria isolado numa mansão de 60 quartos, em Nápoles... chorando a sua má sorte.
Sem o cabeça de cartaz da «operação Havana», a máfia recuou para os seus territórios, nos EUA. Só Lansky continuou a acalentar o sonho, mantendo contacto regular com Batista. O coronel tinha assumido a Presidência entre 1940 e 1944, e, segundo a Constituição, só poderia voltar a candidatar-se depois de um interregno noutros cargos públicos. Por isso, entre 1948 e 1951, ocupou um lugar no Senado. 
No ano seguinte, candidatou-se à Presidência mas, segundo indicavam as sondagens, ficaria em último. Nunca se soube quem ganhou: Batista não queria esperar mais e orquestrou um golpe, impondo-se como «presidente provisório». Estava aberto o caminho para fazer rolar os milhões da máfia pelas ruas de Havana.

Baile de Carnaval em Havana. 1954. Robert W. Kelley. E, Fulgencio Batista com a sua mulher, 
um ano antes de fugir de Cuba e vir parar ao Estoril. Havana, Cuba, 1958. Joseph Scherschel.


MILHÕES NA SUÍÇA

Meyer Lansky foi convidado para ser «conselheiro especial para a reforma do Jogo», com um salário de 25 mil dólares anuais. Era uma fachada para legitimar a ligação entre o político e o a máfia. Com Lansky viajou também o «patrão» Santo Trafficante, que assumiria o controlo da «família» em Havana. 
Foram criadas leis de incentivo à promoção turística, à construção de hotéis e de casinos e, em poucos meses, a capital estava transformada num estaleiro. Nos negócios da noite, ao clássico Nacional e aos famosos Sans Souci e Tropicana, que já existiam, juntou-se o luxuoso Riviera, projecto pessoal de Lansky, onde os empregados vestiam smoking e nenhum cliente entrava sem traje de gala. A inauguração do Copa Room Cabaret foi abrilhantada por Ginger Rogers e transmitida na televisão norte-americana. Nos anos seguintes, era vulgar ouvirem-se em Havana alguns dos maiores artistas da época, como Nat King Cole, Ella Fitzgerald e, claro, Frank Sinatra...
Segundo T.J. English, as contas de Lansky e de Batista na Suíça engordavam a olhos vistos. O Presidente receberia, só em percentagens legais, mais de 10 milhões de dólares por ano.
O esquema sonhado durante tantos anos terminou abruptamente, numa noite de réveillon, com muito mambo e bailarinas gingando as suas ancas, champanhe francês e roletas ao rubro. A 1 de Janeiro de 1959 Batista demitia-se, vergando-se ao poder do movimento de Fidel Castro.
Lansky voou nessa noite para a Florida, Batista fugiu para a capital da República Dominicana. Nunca mais regressaram ao «seu» paraíso. A festa tinha acabado.

Patrícia Fonseca
Texto e titulos
Visão História
22-12-2008

A Revolução vinha a a caminho: Sinais anti-Batista na entrada principal 
da Universidade de Havana. Cuba. 1958. Joseph Scherschel.

A Revolução vinha a a caminho: Os líderes rebeldes Victor Bordon (com chapéu) e Ernesto 
Che Guevara na ocupação de Villas Fomente, Cuba. 27-12-1958. Foto encontrada na net.

A Revolução vinha a a caminho: Ernesto Che Guevara e outros rebeldes descansando depois 
de assumir o poder em Villas Fomente, Cuba, 28 de dezembro de 1958. Foto encontrada na net.

A Revolução tinha chegado. Camilo Cienfuegos e "Che" Guevara em Havana. Cuba, 
1959. Joseph Scherschel.


(Fotos LIFE Archive, excepto as assinaladas)



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